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ÉVORA - A FEITICEIRA

...ela começa a narrar a sua jornada no Tempo.


ÉVORA - A FEITICEIRA


...ela ouvia o arrastar das correntes amarradas em seus tornozelos, ecoando pelo longo e lúgubre corredor.


Fora condenada à fogueira por seus perseguidores e não havia nada que os demovesse da ideia de queimá-la ali, numa fogueira improvisada em meio ao pátio da prisão.


Évora não estava assustada nem muito menos zangada com o fato.

Ela havia estudado muito sobre as leis que regem o Universo e tinha certeza que seus verdugos a perderiam de vista no momento crucial daquele ato violento e arbitrário!

Durante os muitos meses de prisão, sentia-se capaz de enganar os olhos daquela turba desprovida de conhecimento e de noções mínimas sobre o poder da mente humana.


Ao chegar ao pátio, saindo da escuridão daquele corredor úmido e fétido, não haviam mais correntes ou trapos rotos a cobrir-lhe a pele marcada pelos vorazes dentes das ratazanas.


Todos se espantaram com a sua aparência jovem e bela, suas roupas claras de fidalga e do olor de rosas que se espalhou pelo ar, deixando a turba como que entorpecida.


Os verdugos largaram-na e quase lhe pediram perdão pela ousadia de tocá-la, hipnotizados que ficaram com o azul brilhante e muito claro de seus olhos, que faziam sobressair ainda mais a bela textura de sua alva pele.


Logo adiante dela, Seres não humanos, provindos de outras Galáxias a observavam, através de uma outra dimensão, satisfeitos com a força da mente daquela dedicada e obediente discípula, que nem por um só instante duvidou do que pudera aprender ao longo dos anos, e que colocou em prática nos meses de cativeiro na cela imunda e escura, onde o pouco alimento que chegava tinha de ser disputado com as esfomeadas ratazanas.


Ela havia sido denunciada por seu cliente, de nome Julius, um rico comerciante, que, cego pela ganância, exigira que Évora lhe passasse poções Mágicas capazes de entorpecer seus credores, de forma que estes perdessem o poder de argumentação, adoecessem e, por fim, perdessem o juízo.

Évora várias vezes discordou em auxiliá-lo, negando-se terminantemente em coadunar com os seus baixos propósitos, estimulando-o a mudar de estratégias. Mas, inconformado com a negativa de Évora em auxiliá-lo, ele resolveu denunciá-la junto às autoridades do Estado.


Alguns dias depois da última consulta, na qual tornou a ser rechaçado por Évora, uma ordem de prisão chegou até ela, pelas mãos de um funcionário pessoal do governador, que exigia que Évora o acompanhasse até o tribunal, para se defender de uma denúncia de bruxaria.


Sem medo algum, ela acompanhou o tal funcionário na paramentada liteira do governador.

Mas, assim que ergueu-se das macias almofadas e colocou o pé no chão, seu coração disparou no peito ao fitar os olhos de Julius que, parado diante do Tribunal, a fitava com olhos de fera. Imediatamente ela soube que seu destino estava selado.


Sua aparência de mulher bonita e bem cuidada impunha respeito e admiração de todos que a cercavam. Sua figura carismática e altiva mantinha afastado de si qualquer olhar, atitude desrespeitosa ou agressiva de quem quer que fosse, pois o perfume que usava continha algumas gotas mágicas que ela mesma havia preparado através de quase duas décadas, capaz de envolver e seduzir qualquer um que dela se aproximasse.


Depois de um rápido julgamento, Évora foi obrigada a despir-se de sua fina indumentária tendo de desfazer-se, também, de todas as jóias que lhe adornavam o corpo e meter-se num vestido de linho cru encardido e mal cheiroso, que ela, cheia de nojo, colocou pela cabeça, antes de ser trancada em uma cela.


E ali, sentada no chão imundo, com as costas apoiadas numa parede apodrecida pela umidade, Évora se concentrou e passou a respirar profundamente, enquanto esvaziava o pensamento.


Ela sabia que, um dia, teria de ser testada em sua fé e que isso seria inevitável!

Nada poderia assustá-la, muito menos ser detida por defender o que era justo.


Seu dom era sagrado e teria de ser preservado por ela e acatado por quem quer que fosse!

Não se sentia diminuída por estar ali e compreendia a atitude mesquinha de Julius ao denunciá-la.


No entanto, ninguém poderia deter a força de seu pensamento, o qual treinara à exaustão durante mais de vinte anos.


Sim, ela era uma feiticeira e tinha em si, ela sabia, a Guardiã dos Portais Do Tempo, aquela que eternamente estaria a trabalhar junto aos Guardiões que escrevem, com letras de fogo, os Sagrados Livros da Vida!


Ela sabia quem era essa Guardiã, pois que aquele era um fato que estava guardado na infinita memória do universo: a Guardiã era ela mesma e seu nome secreto a ninguém Évora revelara.


E, naquele corpo, então como a jovem Évora de pouco mais de trinta anos, ela aprendera muito através dos Livros que herdara de sua família e, também, pelas constantes instruções mentais que telepaticamente recebia de seus Mestres.


No entanto, naquele momento tão difícil e perturbador, todas as vozes se calaram, deixando-na no silêncio, sem orientação alguma. Sentia-se desprezada por todos, desprovida de prestígio, como uma vilã em penúria!


Um de seus Mestres sempre lhe dissera que no momento da prova, ninguém lhe surgiria para acender a luz ou clarear seus pensamentos! Ela teria de usar seu próprio conhecimento como escudo e consolo!

Ao lembrar-se de toda a instrução que pudera receber de todos Eles, além do carinho e da atenção que sempre dedicaram a ela nos áureos tempos de sua meninice, Évora não pode segurar as lágrimas!

Nunca soubera chorar! Isso era algo que ela nunca conseguira aprender, pois aprendera que as lágrimas jamais conseguiam resolver os problemas naturais da vida.

Mas naquele instante ela se perguntava se valera a pena ter adquirido tanto conhecimento sem poder contar, naquele momento de injustiça e exposição pública, com qualquer ajuda, de quem quer que fosse!

Permanecia sentada, apoiada na parede úmida e cabeça encostada nos joelhos encolhidos, com seu rosto lavado em lágrimas.

De repente, Évora parou de chorar e ergueu a cabeça fitando a escuridão. Depois de alguns instantes de muita expectativa, a figura de seu humilde Mestre lhe surgiu na tela mental.


Seus soluços permaneceram entre uma respiração e outra, mas ela olhava para a escuridão lembrando-se do que Ele tantas vezes lhe ensinara.

‘No momento da prova, Évora, nenhuma de suas boas obras poderá advogar a dor! O discípulo só pode provar que realmente apreendeu tudo aquilo que lhe foi passado, quando nada mais lhe parecer sacrifício!’

Ela enxugou as lágrimas a ajeitou-se, lembrando-se que a autopiedade não a levaria a lugar nenhum!

Ainda com a imagem d’Ele em sua mente, Évora sentiu como que um choque elétrico a atravessar-lhe o corpo!

Lembrou-se que Ele dizia ser o alterador de formas, pois podia mudar tudo ao seu redor só com a força da mente!

Ele era um criador de pensamentos e ensinara a Évora como materializar certos objetos. Ele era a Sabedoria e o Senhor do Tempo, ou a Memória do Universo.

O simples ato de pensar n’Ele fez com que Évora desse um pulo do chão, assustando as ratazanas que estavam a roer-lhe as laterais do vestido que usava.

Évora fechou os olhos Uniu três dedos das mãos e fez uma Luz espiritual se acender, potente, no alto da cela. Enquanto a luz brilhava, ela esquadrinhava cada recanto de seu cativeiro.

Sua respiração estava forte e seu pensamento era como a continuação do pensamento de seu Mestre.

Se deixara levar pelas ordens mentais emitidas por hordas de seres das trevas que, conectados aos que estavam envolvidos naquela conspiração contra ela, buscavam derrotá-la através do medo. Desatenta e, portanto, vulnerável à força daquela vampirização, Évora deixou-se convencer de que aquela situação estava além dos poderes místicos que lhe foram passados por seus Mestres, como sua divina herança espiritual.

Jamais seus Mestres proibiram-na de colocar em prática tudo o que tivera mérito para aprender! Ela só não poderia usar o que sabia para prejudicar quem quer que fosse, mas poderia, sim, usar o que sabia para enganar os seus perseguidores.

Lá no fundo de sua mente, Évora ouvia seu Mestre estimulando-a a usar o seu aprendizado, transformando a cela imunda num lugar agradável, sem permitir, no entanto, que seus captores pudessem perceber tal transformação.

Depois de materializar uma confortável cama, ela precisou de quase meia hora para abrir uma janela espiritual, que a permitisse ver o céu exatamente na hora do entardecer.

Enquanto se distraía com isso, seu pensamento voou até seu primeiro Mestre, que lhe surgira quando ela tinha quase cinco anos de idade. Évora nunca se preocupou com o fato de Ele não ser percebido por ninguém, além dela mesma.

Sob Sua bondosa tutela ela aprendera a doutrinar as suas emoções e a compreender as limitações inerentes ao mundo físico.

Certa vez, Évora perguntou o Seu nome. Ela tinha, então, quase nove anos de idade e sempre O tratara como ‘Senhor’.

Nesse dia eles estavam sentados à margem de um pequeno riacho e aquela despretensiosa pergunta O fez sorrir suavemente diante da natural curiosidade de sua jovem discípula. Depois disso, Ele fitou o céu, como se buscasse nele uma boa resposta para dar àquela inteligente menina.

- Sim, posso criar um nome para mim, assim como criei esta forma física para lhe surgir. Passei pelo filtro da sua humanidade e formatei esse corpo que você imagina ver. Se você fosse uma lagarta verde e parruda como essa que caminha aqui, no espaço entre nós - disse Ele apontando para o tranquilo inseto que por ali rastejava lentamente - como eu deveria me apresentar a você? Eu teria de ser, também, uma bela de uma lagarta, para poder, assim, lhe convencer a me ouvir!


Évora sorriu e ficou observando os detalhes do desenho perfeito no ágil corpo da lagarta.

Essa última observação d’Ele fez Évora soltar uma gostosa risada, só de pensar neles dois como duas lagartas gorduchas e rastejantes.


Eles ficaram em silêncio durante um bom tempo, pois Ele precisava deixá-la assimilando o assunto e, assim, processando o aprendizado.


- Ainda quer saber o meu nome? - perguntou ele - Preciso mesmo criar um nome para lhe ensinar aquilo que me dispus a fazer?


Nesse instante, um vento fresco correu, descabelando as madeixas de Évora, o que a fez segurar firmemente os cabelos, que estavam a mercê do vento.


- Pronto - Ele disse - Me chamo Senhor Vento! Gostou do meu nome?


Ela continuou a fitá-Lo rindo gostosamente.


- Eu venho de uma outra realidade, Évora! Eu sou um pensamento! Não preciso de nomes nem muito menos de forma física para lhe instruir! O vento não tem forma, mas você pode senti-lo, apesar de não poder vê-lo. Você sabe que ele existe, apesar de jamais percebê-lo fisicamente. Você apenas pode dar um nome a ele. E só!


- Então o Senhor é um Vento que se materializou para me ensinar o que é o Amor ! - afirmou ela, agora meditando sobre o mundo da forma.

Ele sorriu fitando o céu infinitamente.


- Sim, Évora, eu sou o Amor! - disse Ele num sussurro.


Essa lembrança emocionou Évora como nunca! Naquela hora, com a janela aberta ao brilho das estrelas, seu coração se encheu de felicidade. Ela tivera pulso forte e determinação bastante para se tornar a feiticeira mais poderosa da Babilônia! Seus pais vieram da Antioquia em busca de riqueza e atingiram seu grande objetivo com o cultivo da cevada e do óleo de linhaça, produtos muito valorizados em todo o país.

Évora aprendera a ler e escrever ainda muito jovem, pois era dotada de uma memória singular para observar e absorver tudo que lhe ensinavam.

Seu primeiro Mestre, o Senhor Vento, lhe surgira poucos dias antes de seu aniversário de cinco anos e, desde então, a acompanhara e instruíra em todos os momentos até ali.

Ainda fitando as estrelas, Évora lembrou-se de um sonho muito marcante que tivera perto dos seus quinze anos:


‘...línguas de fogo desciam do céu, fazendo toda a terra tremer enquanto as pessoas corriam assustadas pelas ruas. Évora se viu vestida com um longo vestido de seda azul, preso na cintura por uma grossa corrente de ouro, que lhe torneava o belo corpo e fazia sobressair, de forma singela, os contornos dos seios, num decote discreto.

Ela via a si mesma como essa mulher de uns trinta e poucos anos, a caminhar com muita desenvoltura até a porta de um terreno santo. Mesmo se arriscando a ser atingida pelas línguas de fogo que caíam do céu fazendo a Terra tremer, ela mantinha o ritmo de seus passos, indo em direção a uma parte mais alta do terreno, que era protegida por grandes grades de ferro. Ela abriu o portão e tornou a fechá-lo após adentrar naquele espaço. Na parte central do terreno havia uma mesa feita em mármore negro, onde um grande livro aberto repousava.

Ela se aproximou do livro e leu as palavras que estavam escritas em fogo nas páginas expostas.

Depois de fazê-lo, Évora juntou as mãos, se curvou, como que reverenciando o livro e, logo a seguir, passou a mão em algumas páginas, apagando o que estava escrito ali.

Ela sabia ser aquele o Livro da Vida, o qual apenas os escolhidos poderiam tocar.

Ao terminar sua tarefa, dois homens muito altos, vestidos com uma espécie de roupão preto com capuz se aproximaram, a cumprimentaram como que reverenciando-a, e se acercaram do livro.

Das mãos deles saíam raios azuis com os quais eles passaram a reescrever o que ela havia apagado.

Évora imediatamente soube que uma história trágica estava sendo reescrita e se transformando num milagre e numa renovação de vida.

Ela os deixou ali e se dirigiu ao portão por onde entrara horas antes, aguardando até que os dois seres terminassem o ritual. As línguas de fogo pararam de cair do céu assim que os dois seres finalizaram as suas escritas com as letras de fogo. Eles, então, pararam diante de Évora e a saudaram respeitosamente. Ela retribuiu o cumprimento e depois que eles saíram, ela colocou três pratos de arroz com lentilhas e outros três pratos com um guisado de carne de cordeiro do lado de fora do portão. Em seguida ela encheu três copos com cerveja e, depois de colocá-los diante da oferenda, saudou os ancestrais que ali estavam sepultados. Telepaticamente, Évora pode ouvir muitas vozes saudando a oferenda que ela acabara de assentar:


‘Salve Maria Padilha do Cruzeiro das Almas, a Guardiã dos Portais do Tempo!’


O começo do Livro que uma Editora comprará de mim os direitos para publicar!


🌹


Com Amor e por Amor

Sempre!

By

Eliane Arthman

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